Uma Hecatombe! Vindo da China, um vírus, sem pedir qualquer licença, entrou nas nossas vidas. Veio com a autoridade de quem se julga superior, colocar a humanidade em sentido. Todos, ou quase, foram convidados pelos governos dos seus países a recolher-se nas suas casas. As crianças, fechadas em casa, deambulavam pelas divisões dos seus apartamentos. Seus pais, em teletrabalho, eram constantemente interrompidos pelas crianças que, famintas, pediam um pão com manteiga, ou, irrequietas, corriam de um lado para o outro a brincar. A televisão não parava de informar o número de mortos que diariamente apareciam.
Alguns, com alguma sabedoria, apresentavam soluções, nem sempre credíveis, na ansia de amenizarem a situação.
O vírus, indiferente aos sábios, continuava a sua missão, pondo todos em sentido.
Numa pequena aldeia do interior, João, o professor, ouviu falar desse terrível vírus. Concentrado em ensinar os seus alunos – não havia melhores alunos que os seus – continuou a preparar as aulas, para poder transmitir o saber com paciência. Mas perguntou: será que também nós, nesta pequena aldeia, vamos fechar-nos em casa? Não podia ser!
Ainda ele pensava, já o pivot do jornal da noite transmitia um comunicado do Presidente da República a pedir, para bem de todo o povo, o confinamento em suas casas. Ao ouvir tal anúncio, olhou bem no ecrã da sua televisão. E viu, com os olhos que Deus lhe deu, esta frase: “Fica em casa”. E agora? – perguntou. Como vou ensinar estes pequenos? Mal conseguiu jantar. Preocupado, ligou para um amigo de longa data.

– Diogo?
– Olá, João.
– Viste as notícias?
– Temos que ficar em casa.
– Estou preocupado. Como vou ensinar os meus alunos?
– Ouvi dizer que em França estão a recorrer à telescola.
– Isso pode fazer o governo. E Eu, que faço?
– Podes escrever as tuas histórias. Seria uma forma de
estares com eles.
– Histórias?
– Sim, João. Pequenas histórias com algum ensinamento…
– É uma boa ideia. Vou pensar no assunto. Obrigado.
– Boa sorte.

Mal dormiu, nessa noite. Lá para as três da manhã, lembrou-se do aparelho de rádio. Seria uma oportunidade. Tentou dormir. Pela manhã, subiu às águas furtadas, dirigiu-se ao aparelho radiofónico e pô-lo a trabalhar. Estava bom. Empolgado com a ideia, não desistiu. Era verdade que não estaria com os seus alunos, mas com esta frequência radiofónica, procuraria, com pequenas histórias inventadas no momento, transmitir a sabedoria milenar que recebeu dos seus avós, no tempo em que se vivia a II Guerra Mundial. Para que todas as crianças tivessem acesso às suas histórias, foi de casa em casa sintonizar os aparelhos de rádio na melhor frequência que, por aqueles dias, havia – a sua. Foram necessários cinco dias para o fazer. Depois de um bom descanso bem vivido no seio da sua família, começou a contar as suas histórias. Acreditava que, com elas, as crianças aprenderiam os valores humanos tão necessários para as suas vidas. Vários dias depois, no fim de mais uma história, tocou o telemóvel. Atendeu. Do outro lado da linha, estava Carolina, uma menina de dez anos, que alegremente dizia:

– Olá, professor.
– Olá, Carolina.
– Gostei muito da sua história.
– Ai sim? O que mais gostaste?
– Gostei daquela parte em que a Maria deixou de brincar para ajudar a mãe.
– Uma história bonita, não é?
– Sabe, professor, fez-me pensar que, agora que a minha mãe está mais em casa, devo ajudá-la a pôr a mesa.
– Só pôr a mesa? Não podes ajudar noutras coisas?
– Não sei. Vou pensar.
– Está bem, Carolina. Olha que a mãe e o pai, embora estejam em casa, continuam a trabalhar. Tu não deixes de estudar.
– Obrigada, professor. Até amanhã.
– Até amanhã, Carolina.
João estava feliz. Sempre era verdade. As suas histórias ajudavam os mais pequenos. No dia seguinte, entusiasmado, antes de começar com uma nova história, apresentou o telefonema da Carolina. No fim, tocou o telefone. Era Carla, uma amiga de longa data.
– Olá, Carla.
– Olá, João.
– Então, que contas?
– Ouvi-te na rádio e liguei-te. Como estás sem os teus alunos?
– Cá vamos. Não é a mesma coisa. Tenho saudades dos seus rostos, das suas marotices, do seu encanto…
– Pois, João. Acontece-me o mesmo. Já não podemos sair de casa. Dantes íamos ao centro da aldeia e conversávamos com todos. Agora… é uma tristeza.
– O que fazes?
– Muitos telefonemas a perguntar como vai a saúde dos meus doentes.
– Passas receitas?
– Algumas.
– E consegues?
– Tenta-se. Depois de escutar os meus doentes e tomar conhecimento de alguns sintomas, aconselho-os a tomar este ou aquele medicamento.
– Pois. Cada um com as suas dificuldades.
– É, João. Se não ficarmos em casa, a coisa será pior.

Hoje liguei-te para te agradecer as tuas histórias. Tenho-as usado para acalmar o Ti Manel. Ansioso, quer sair a todo o custo. Uso as tuas histórias para o fazer entender que ajuda muito mais ficando em casa do que andar a deambular pela aldeia. Queria agradecer a tua criatividade.

– Não sei o que dizer, Carla… obrigado!
– Só mais uma coisa…
– Então?…
– A pequena veio dizer-me que já sabe como fazer amigos…
– Ai sim?
– Disse-me que foste tu que a ensinaste quando ouviu a história do António. Quer ser como ele, uma pessoa com muita paciência, sempre atenta aos outros, com um sorriso permanente nos lábios. Disse-me que a amizade é consequência de um sorriso bonito.
– Que bom! Nestes dias fechados em casa por causa de um vírus, somos convidados a valorizar os sentimentos e a ensinar a amar.
– Tens razão, João. Obrigada. Até amanhã.
– Até amanhã.

O telefone desligou. João, com um sorriso nos lábios, disse para si mesmo: a vida dá-nos oportunidades. Cada um de nós deve aproveitá-las para transmitir apenas o que de facto vale – os valores.
João aproveitou os momentos difíceis provocados por um vírus para transmitir os valores. Jesus, contestado por muitos, fez da Sua cruz, a cátedra do perdão. Usou essa oportunidade para testemunhar com a Sua própria vida o Amor. Seguindo Jesus, ponhamos o desânimo de parte e, apesar de todas as dificuldades causadas seja pelo que for, façamos da nossa vida o verdadeiro anúncio do amor.
De Colores!

Pe Artur Jorge

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